Analfabetismo afeta 34 mil moradores acima de 16 anos no Grande ABC

A principal estratégia das Prefeituras para reduzir o atual número de pessoas não alfabetizadas é o programa EJA.

O levantamento mostra ainda que quase metade das pessoas analfabetas no Grande ABC tem acima de 60 anos. (Foto | Reprodução)

GRANDE ABC – São 34.790 analfabetos no Grande ABC. Isso significa que essas pessoas não conseguem ao menos ler o título desta reportagem ou escrever o próprio nome em um documento. Os dados de agosto deste ano compreendem apenas os moradores da região acima de 16 anos que estão cadastrados no CadÚnico (Cadastro Único), ferramenta que reúne informações sobre famílias brasileiras de baixa renda.

São Bernardo é a cidade da região com maior número de pessoas que declararam não saber ler ou escrever, com 10.434 ao todo. Na sequência aparecem Diadema, com 8.456, e Santo André, com 7.953 analfabetos

No ano passado, o País tinha 9,6 milhões de pessoas acima de 15 anos que não sabiam ler e escrever, segundo levantamento do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua. A taxa de analfabetismo no Brasil recuou de 6,1% em 2019 para 5,6% em 2022, redução de pouco mais de 490 mil analfabetos.

Docente e pesquisador de educação da FFCLRP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto) da USP (Universidade de São Paulo), Elmir de Almeida explica que o número de pessoas que não sabem ler ou escrever está atrelado às desigualdades estruturais enfrentadas por esse grupo, fator que dificulta o acesso à alfabetização, como desigualdade social, econômica, de gênero, racial e étnica, entre outras.

Ao analisar os dados por faixa etária, o professor destaca que o número de jovens e adultos sem saber ler ou escrever na região é tão alto quanto o de idosos – grupo que possui altas taxas de analfabetismo por causa da entrada precoce no mercado de trabalho.

“A escolarização produz níveis diferenciados de analfabetismo, inclusive mantém crianças e adolescentes não alfabetizados. Se antes, a desigualdade socioeconômica e os processos de migração eram os responsáveis pelo sujeito não acessar a alfabetização e o letramento, hoje, além dessas desigualdades que não foram superadas, a escolarização também é responsável. É preciso revisar o atual modelo de ensino”, esclarece Almeida.

Segundo uma das metas do PNE (Plano Nacional de Educação) de 2014, o Brasil tem menos de um ano, até 2024, para erradicar o analfabetismo absoluto, que compreende a incapacidade de ler e escrever, e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional, a incapacidade de compreender textos simples. O pesquisador Elmir de Almeida não acredita que seja possível cumprir essa meta.

“As políticas públicas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) e as políticas de educação para as etapas do ensino fundamental e do ensino médio que temos no País, dos governos, federal, estaduais e municipais, não são potentes o suficiente para construirmos a superação do analfabetismo”, finaliza.

MAIS VELHOS

O levantamento mostra ainda que quase metade das pessoas analfabetas no Grande ABC tem acima de 60 anos. Com 15.738, esse grupo representa 45,23% do total de indivíduos sem alfabetização. Essa é a realidade da cuidadora Cecília Maria Marques de Souza, 71 anos, de São Caetano, que passou a vida sem conseguir ler uma bula de medicamento, uma receita de bolo, ou até mesmo a certidão de nascimento dos seus filhos.

“É como viver em outro mundo. Ficamos completamente dependentes de outra pessoa para fazer atividades básicas”, descreve a idosa, que por causa das diversas desigualdades estruturais teve seu direito à educação negado quando criança.

Aos 10 anos, em Caruaru, município de Pernambuco, Cecília foi retirada da escola por sua mãe para que ela fosse trabalhar como babá. “Meu salário era um prato de comida, porque em casa não tinha, então precisava cuidar de três crianças para poder comer. Nunca recebi dinheiro pelo meu trabalho”, conta a idosa.

Aos 14 anos se casou com um imigrante italiano que morava na cidade. Dessa vez, a desigualdade de gênero impediu que ela continuasse seu processo de alfabetização, devido ao ciúme do marido, os afazeres da casa e a gravidez na adolescência.

Já em São Caetano – a família chegou no fim da década de 1980 ao município – Cecília tentou voltar a estudar por duas vezes, mas em todas as tentativas, a dificuldade de aprendizado foi um fator desmotivador. “Não conseguia acompanhar as lições, as professoras não tiveram muita paciência comigo, então acabei desistindo”, explica. “Enfrentei dois cânceres ao longo da vida, um de mama e outro de útero. Mas sempre tive fé que a vida iria melhorar”.

Por incentivo do filho mais novo, que está terminando a graduação em direito, há duas semanas, Cecília voltou a estudar. Diferente das outras experiências, desta vez ela está descobrindo um mundo com infinitas possibilidades que as palavras podem trazer.

“Em tão pouco tempo já estou conseguindo juntar e escrever algumas letras. Estou confiante que desta vez irei aprender”, diz empolgada a estudante da turma do EJA da Emeief (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) Sônia Aparecida Marques, na Vila Palmares, em Santo André. A moradora precisou buscar turmas no município andreense, pois, segundo ela, São Caetano não disponibilizou salas do programa neste ano.

Após aprender a ler e a escrever, Cecília pretende realizar alguns sonhos que ficaram guardados durante sua vida devido à falta de alfabetização. “Quero ler a Bíblia, aprender inglês e viajar para Israel, sem excursão, quero ler as placas, os cardápios, e fazer tudo sozinha”, finaliza sorridente.

Em aproximadamente um ano, dependendo do seu desempenho, a estudante Cecília poderá ler esta reportagem que conta um pouco da sua história.

EJA é a principal estratégia dos municípios

Em 2014, cinco municípios do Grande ABC, com exceção de Diadema e Rio Grande da Serra, receberam o Selo Município Livre do Analfabetismo pelo MEC (Ministério da Educação), por apresentarem taxas menores ou iguais a 4% de pessoas com 15 anos, ou mais, sem saber ler e escrever.

A principal estratégia das Prefeituras para reduzir o atual número de pessoas não alfabetizadas é o programa EJA (Educação de Jovens e Adultos) voltado a maiores de 15 anos que buscam recomeçar os estudos.

No total, 4.459 estudantes estão matriculados em 214 turmas do ensino fundamental nas cidades de Santo André, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra – São Bernardo e São Caetano não informaram os dados. Sendo que 14,98% (668) dos alunos têm acima de 60 anos.

Já na rede estadual, para a conclusão do ensino médio de jovens e adultos da região, são dedicadas 121 salas, onde estudam 3.700 alunos – 98 são idosos.

As Prefeituras informaram que realizam busca ativa para tentar diminuir a evasão escolar, e atrair novos alunos para o programa. Além disso, promovem formação contínua para os professores e proposta pedagógica atrelada à vivência dos jovens e adultos. 

“A EJA integra e atende também parcerias com outros segmentos da Prefeitura que prestam serviço ao munícipe em situação de vulnerabilidade em diferentes secretarias. Desta forma, foi organizado um plano de inclusão produtiva para que as pessoas em situação de vulnerabilidade pudessem ter acesso a oportunidades de enfrentamento à exclusão social, buscando atender aos munícipes em diferentes perspectivas”, citou o Paço de Santo André. 

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